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A vivência do luto na fase pandêmica

A adaptação da elaboração desse sentimento com todas as restrições impostas neste momento de colapso mundial

O luto pode ser vivido de muitas formas diferentes, isso varia de acordo com fatores como cultura, período histórico, região… mas é geralmente relacionado a algo negativo, por trabalhar a perda de coisas ou pessoas importantes. Agora com a pandemia, mesmo quando a pessoa não morre em decorrência da Covid-19, existem restrições no momento da despedida.

Os velórios precisam ser rápidos, não é permitido que muitas pessoas participem, alguns casos o caixão precisa ficar fechado, ou em outros, o velório nem mesmo é permitido. Mas como o ser humano é um ser social, que precisa de determinados ritos sociais, como menciona a psicóloga Monique Farber, “os velórios funcionam, do ponto de vista tanatológico, psicológico, com um valor terapêutico a partir do momento que tem testemunhas, então o fato de acender uma vela, levar flores, velar, estar perto, ao redor do caixão, vendo o rosto, fazendo suas orações dentro da crença que cada um acredita, recebendo o carinho e as condolências, tudo isso dá um conforto e ajuda na elaboração do luto”.

Essas restrições, por vezes trazem uma carga maior sobre esse momento tão delicado. Um exemplo é a Thayse Kiel Truffa, que não pôde participar do velório do primo que foi em outro estado, justamente pelo alto índice de contágio pela Covid, mesmo seu primo tendo falecido de causas naturais. “Foi muito difícil para todos da família não ter este último adeus. Como moravam longe, conseguíamos visita-los no máximo uma vez por ano”, finaliza Thayse.

A vivência do luto, mesmo antes da pandemia trazia o peso da perda, onde as pessoas mesmo recebendo todos os cuidados dos familiares e amigos, passava por dias de elaboração desse luto. Atualmente, os desafios surgem todos os dias, com preocupações e receios além do rotineiro.

A jornalista Karin Betiati foi primeiro infectada pelo vírus, depois o pai e a mãe. Um dia enquanto estava acompanhando a mãe, que também estava internada, recebeu a notícia do falecimento do pai. Como ele estava na UTI da Covid, não foi permitido o velório. Todo o cortejo e enterro só puderam ser acompanhados por vídeo chamada, que foi transmitida pelos familiares que foram até o cemitério, mas precisavam ficar cerca de 5 metros de distância do carro funerário.

Karin relata que os familiares também sentiram a dificuldade em não poder ver e se despedir, mas como ela afirma, “eu precisava fechar o ciclo naquele momento para continuar cuidando da minha mãe”.

Assim como muitos outros costumes que tínhamos antes da pandemia, a vivência do luto também está passando por um processo de ressignificação. “Estamos passando por um momento que nos é exigido mais resiliência o tempo todo. Muita adaptação. A cada novo momento novos desafios. O choque é muito grande e fica uma lacuna”, enfatiza a psicóloga Monique.

Recentemente tivemos um fato muito noticiado na cidade, que foi o falecimento do Arcebispo Metropolitano de Cascavel, Dom Mauro Aparecido dos Santos. A perda do líder religioso gerou grande comoção em grande parte da população. Mesmo não estando mais com o vírus, não foi possível um velório aberto ao público, apenas padres e seminaristas puderam estar presentes na Catedral no dia da cerimônia, ainda assim, mesmo para os que estavam presentes, o sentimento era confuso, como garante o seminarista Claudemir Lopes, “quando o corpo chegou a Catedral, para mim não tinha sentido, pois caixão fechado, lacrado, sem ver seu rosto, era como se não fosse ele ali”.

Mesmo com todas as dificuldades do momento, é preciso encontrar formas para nos adaptarmos. “Temos que aceitar essa condição, a facilidade do ser humano é que somos seres adaptáveis. E estamos nesse processo de adaptação há muitos meses, talvez quem passou por isso no início da pandemia, tenha sido ainda mais difícil. Estamos superando nossos próprios limites com novas formas de luto”, conclui Karin Betiati.

Uma das formas de amenizar a dor do momento, é como denota a psicóloga Monique, “a questão virtual é muito importante neste momento. Manter a comunicação, suporte, afeto, carinho, mesmo que de forma virtual pode ser uma alternativa para atenuar as dores e confortar o coração desses enlutados”.

Foi o que ajudou o seminarista Claudemir, como ele mesmo comenta, “tive o auxílio de muitas pessoas que me ligaram, mandaram mensagens de força e de carinho, familiares, amigos próximos e de outras cidades. As mensagens que recebi, foram de grande apoio para superar esta perda, cada um com seu jeito de falar me trouxe paz e tranquilidade, alguns choraram juntos por ligação, outros me ligaram por alguns dias para saber como estava, preocupados também com o meu bem estar”.

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